LEVANTAMENTO DA REALIDADE DOS ALUNOS
Como em todo início de ano letivo, com uma turma nova, defino, como meta do primeiro bimestre, o conhecimento das características desta turma. Esta etapa, definida pela didática como "Estudo da população alvo", é, para mim, muito importante, pois preciso conhecer estes jovens, interagir com eles e socializá-los para que possamos juntos criar um espaço saudável e propício à criação. Muitos alunos vêm de outras cidades e regiões e chegam numa escola bem diferente daquela que até então estudavam. A liberdade que aqui encontram é um dos fatores que, para muitos, é novidade. Não há a figura do disciplinador de corredores, portão fechado e fiscalização contínua. Alunos acostumados a uma escola muito rigorosa podem se perder com tamanha liberdade, mas logo entendem que a responsabilidade vem como contrapartida para o sucesso no primeiro ano. Na verdade, o Cefet apresenta este binômio: liberdade-responsabilidade como fator importante para o desenvolvimento profissional e pessoal de seus alunos, pois são, no mínimo, 3 anos para que estes adolescentes se tornem profissionais competentes para iniciar uma carreira como técnicos.
Os primeiros meses são como uma adaptação à nova realidade escolar e muitas vezes a uma nova realidade de vida pois, alguns alunos montam república na cidade e se distanciam do "controle" dos pais. Em sua maioria, são adolescentes entre 14 e 16 anos, com características próprias da adolescência, aliadas a dificuldades e bloqueios causados pelo processo educacional que vivenciaram. Cabe ressaltar que, neste processo educacional, incluo como responsáveis não só os professores e escolas, mas também pais, familiares, sociedade e a mídia.
A princípio, realizo um questionário de conhecimento para fazer um levantamento do perfil destes jovens. Acredito que os conhecendo e detectando suas dificuldades e bloqueios posso traçar para o primeiro bimestre uma proposta de trabalho em que o foco não se concentre na arte como um fim mas, sim, no "autor", o ser humano que está a minha frente. Apresento, abaixo, alguns dados que julgo importantes para analisarmos como educadores:
Observando os dados acima, constatamos que estes jovens chegam ao ensino médio com uma série de entraves à criatividade, expressão e comunicação.
Na tabela abaixo, verificamos que a porcentagem de participação em atividades artísticas é muito baixa, o que vem comprovar a ausência de espaços e políticas culturais na cidade e região. A cultura da não participação também é evidente nestes dados, o que vem provar que a escola ainda está falhando na formação cidadã tão propalada nas leis de diretrizes e bases.
Nas tabelas abaixo, observamos o resultado da consulta sobre o que fazem no tempo livre durante a semana e no final de semana. Foram transcritos os dados relativos aos 3 itens mais indicados.
Nossos adolescentes passam uma grande parte do tempo livre envolvidos em atividades relacionadas ao computador e ao celular, segundo eles "relacionando-se" através da internet. No celular, a maior parte do tempo até 2019, estavam envolvidos com aplicativos em ordem de preferência: WhatsApp, músicas e Youtube. Muitos trocam a rua por este hábito no fim de semana. Deixam de se relacionar 'ao vivo' com as pessoas para navegar e se encantar com um mundo virtual. Esta geração, diferente das anteriores, é mais "conectada" e domina a tecnologia com muita facilidade. Em contrapartida, têm dificuldades de trabalhar em equipe, de comunicação interpessoal e de lidar com conflitos.
Um outro dado, alarmante para mim, é o lugar de preferência que Artes ocupa entre as demais disciplinas do currículo. Conforme o quadro abaixo, desde o ano 2000, quando iniciei a pesquisa, na maioria das vezes, a disciplina Artes esteve entre as últimas disciplinas preferidas pelos alunos, o que torna o trabalho no ensino médio ainda mais difícil pois, os alunos chegam com o preconceito de que a aula é chata, sem sentido, "uma enrolação" como muitos dizem .A partir deste quadro geral, comecei a aprofundar no porquê de tal resultado. Minha surpresa foi ainda maior quando comecei a ouvir os relatos de como são a maioria das aulas de Educação Artística nas escolas onde eles estudaram, ou seja, antes de vir para o Cefet. Algumas escolas possuem a disciplina com a respectiva nota no Boletim mas, os alunos afirmavam que esta aula não acontecia ou não haviam avaliações. Em outras, o professor não era habilitado e quando possuía habilitação, não apresentava atividades que os alunos se interessavam.
Gráfico demonstrativo das atividades propostas pelos professores de artes do Ensino Fundamental |
No quadro ao lado, vemos um gráfico representativo das atividades que eles desenvolviam nestas escolas.
Observamos que a maioria das atividades era relacionada à área de artes plásticas. Muito pouco encontrei da área de música e artes cênicas. Muitos afirmavam que quando tinham música era como pano de fundo para que fizessem um desenho relacionado ou o professor pedia para fazerem uma paródia. O teatro, pouco abordado nas escolas, em alguns relatos era um meio utilizado por professores de outras disciplinas para repassar seus conteúdos.
Numa posição de descrédito, a disciplina Artes, desvalorizada pela atuação descompromissada de alguns professores, que muitas vezes alega falta de apoio da instituição, recebe uma das mais baixas notas.
É nesse cenário desalentador, que vem se repetindo a cada ano que, através de reflexões, análises, avaliações finais do curso e auto avaliações realizadas junto aos alunos, durante estes 33 anos de magistério, que desenvolvemos (eu e meus alunos) uma metodologia ou melhor, uma sequência de atividades que têm apresentado resultados significativos quanto à desinibição, melhoria da expressão, da comunicação e do desenvolvimento da criatividade através de atividades lúdicas e da experimentação de diversas linguagens artísticas.
A minha ideia é disponibilizar neste blog, a mesma forma sequencial, passo a passo, etapa por etapa, possibilitando a todos os educadores uma compreensão, análise e reflexão da importância das artes nas escolas, ou melhor, na vida destes jovens e na vida de todos nós.
Começarei com as atividades do primeiro bimestre, que apelido de desbloqueio, onde preparamos o espaço de autoria, um espaço onde o respeito ao outro tem que ser obrigatório para dar segurança e incentivo à expressão e criação do aluno. Após esta fase, começamos a experimentar as diversas linguagens artísticas (plástica, sonora e cênica) sempre colocando a arte como um meio de facilitar a expressão, comunicação e criatividade. Ao final do ano, estes jovens já conseguem subir ao palco encenando/improvisando uma peça/história escrita por eles. É, neste momento, que recebo o mais valioso "salário": vê-los envolvidos, entusiasmados, com alegria, descontração e sem medo de pagar o tão temido "mico", combinando, ensaiando e mostrando seus talentos. Ao final, apresentam seus trabalhos para uma plateia formada por alunos das séries seguintes que já passaram por este processo e que sempre aguardam, com muita expectativa, a semana de teatros da escola. Após a conclusão destes trabalhos finais, realizo uma avaliação do curso, da professora e das atividades propostas. Com estes dados, vou adaptando e melhorando as estratégias para os próximos anos e, desta forma. posso concluir, sem sombra de dúvida, que o ensino de arte abordado nesta escola (CEFET) colabora significativamente na formação pessoal e profissional destes jovens. Nos próximos posts, vocês encontrarão textos, relatos de experiências, depoimentos e imagens deste trabalho, bem como outros materiais e indicações/sugestões para todos aqueles que queiram se aprofundar neste mundo maravilhoso, de infinitas possibilidades, que é o da Educação pela Arte.
*Entrevista com os alunos do Cefet sobre o ensino de artes das escolas anteriores ao Cefet, disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=NDzkFPsBwEg
Para aprofundar mais sobre a realidade do ensino da arte no Brasil, leia o artigo de Ana Mae Barbosa em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141989000300010&script=sci_arttext
*Entrevista com os alunos do Cefet sobre o ensino de artes das escolas anteriores ao Cefet, disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=NDzkFPsBwEg
Para aprofundar mais sobre a realidade do ensino da arte no Brasil, leia o artigo de Ana Mae Barbosa em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141989000300010&script=sci_arttext
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