quinta-feira, 26 de março de 2015

AULA 1 - O PERFIL DO ALUNO NO 1º ANO DO ENSINO MÉDIO

 LEVANTAMENTO DA REALIDADE DOS ALUNOS  
  

     Como em todo início de ano letivo, com uma turma nova, defino, como meta do primeiro bimestre, o conhecimento das características desta turma. Esta etapa, definida pela didática como "Estudo da população alvo", é, para mim, muito importante, pois preciso conhecer estes jovens, interagir com eles e socializá-los para que possamos juntos criar um espaço saudável e propício à criação. Muitos alunos vêm de outras cidades e regiões e chegam numa escola bem diferente daquela que até então estudavam. A liberdade que aqui encontram é um dos fatores que, para muitos, é novidade. Não há a figura do disciplinador de corredores, portão fechado e fiscalização contínua. Alunos acostumados a uma escola muito rigorosa podem se perder com tamanha liberdade, mas logo entendem que a responsabilidade vem como contrapartida para o sucesso no primeiro ano. Na verdade, o Cefet apresenta este binômio: liberdade-responsabilidade como fator importante para o desenvolvimento profissional e pessoal de seus alunos, pois são, no mínimo, 3 anos para que estes adolescentes se tornem profissionais competentes para iniciar uma carreira como técnicos.

        Os primeiros meses são como uma adaptação à nova realidade escolar e muitas vezes a uma nova realidade de vida pois, alguns alunos montam república na cidade e se distanciam do "controle" dos pais. Em sua maioria, são adolescentes entre 14 e 16 anos, com características próprias da adolescência, aliadas a dificuldades e bloqueios causados pelo processo educacional que vivenciaram. Cabe ressaltar que, neste processo educacional, incluo como responsáveis não só os professores e escolas, mas também pais, familiares, sociedade e a mídia.

        A princípio, realizo um questionário de conhecimento para fazer um levantamento do perfil destes jovens. Acredito que os conhecendo e detectando suas dificuldades e bloqueios posso traçar para o primeiro bimestre uma proposta de trabalho em que o foco não se concentre na arte como um fim mas, sim, no "autor", o ser humano que está a minha frente. Apresento, abaixo, alguns dados que julgo importantes para analisarmos como educadores:
     Observando os dados acima, constatamos que estes jovens chegam ao ensino médio com uma série de entraves à criatividade,  expressão e comunicação.
    Na tabela abaixo, verificamos que a porcentagem de participação em atividades artísticas é muito baixa, o que vem comprovar a ausência de espaços e políticas  culturais na cidade e região. A cultura da não participação também é evidente nestes dados, o que vem provar que a escola ainda está falhando na formação cidadã tão propalada nas leis de diretrizes e bases.
Nas tabelas abaixo, observamos o resultado da consulta sobre o que fazem no tempo livre durante a semana e no final de semana. Foram transcritos os dados relativos aos 3 itens mais indicados.
      Nossos adolescentes passam  uma grande parte do tempo livre envolvidos em atividades relacionadas ao computador e ao celular, segundo eles "relacionando-se" através da internet. No celular, a maior parte  do tempo até 2019, estavam envolvidos com aplicativos em ordem de preferência: WhatsApp, músicas e Youtube. Muitos trocam a rua por este hábito no fim de semana. Deixam de se relacionar 'ao vivo' com as pessoas para navegar e se encantar com um mundo virtual. Esta geração, diferente das anteriores, é mais "conectada"  e domina a tecnologia com muita facilidade. Em contrapartida, têm dificuldades de trabalhar em equipe, de comunicação interpessoal e de lidar com conflitos.  
      Um outro dado, alarmante para mim, é o lugar de preferência que Artes ocupa entre as demais disciplinas do currículo. Conforme o quadro abaixo, desde o ano 2000, quando iniciei a pesquisa, na maioria das vezes, a disciplina Artes esteve entre as últimas disciplinas preferidas pelos alunos, o que torna o trabalho no ensino médio ainda mais difícil pois, os alunos chegam com o preconceito de que a aula é chata, sem sentido, "uma enrolação" como muitos dizem .

    A partir deste quadro geral, comecei a aprofundar no porquê de tal resultado. Minha surpresa foi ainda maior quando comecei 
a ouvir os relatos de como são a maioria das aulas de Educação Artística nas escolas onde eles estudaram, ou seja,  antes de vir para o Cefet. Algumas escolas possuem a disciplina com a respectiva nota no Boletim mas, os alunos afirmavam que esta aula não acontecia ou não haviam avaliações. Em outras, o professor não era habilitado e quando possuía habilitação, não apresentava atividades que os alunos se interessavam.
Gráfico demonstrativo das atividades propostas
pelos professores de artes do Ensino Fundamental 

    No quadro ao lado, vemos um gráfico representativo das atividades que eles desenvolviam nestas escolas.
    Observamos que a maioria das atividades era relacionada à área de artes plásticas. Muito pouco encontrei da área de música e artes cênicas. Muitos afirmavam que quando tinham música era como pano de fundo para que fizessem um desenho relacionado ou o professor pedia para fazerem uma paródia. O teatro, pouco abordado nas escolas, em alguns relatos era um meio utilizado por professores de outras disciplinas para repassar seus conteúdos.
    Numa posição de descrédito, a disciplina Artes, desvalorizada pela atuação descompromissada de alguns professores, que muitas vezes alega falta de apoio da instituição, recebe  uma  das mais baixas notas.
   É nesse cenário desalentador, que vem  se repetindo a cada ano que, através de reflexões, análises, avaliações finais do curso e auto avaliações realizadas junto aos alunos, durante estes 33 anos de magistério, que desenvolvemos (eu e  meus alunos) uma metodologia ou melhor, uma sequência de atividades que têm apresentado resultados significativos quanto à desinibição, melhoria da expressão, da comunicação e do desenvolvimento da criatividade através de atividades lúdicas e da experimentação de diversas linguagens artísticas. 
        A minha ideia é disponibilizar neste blog, a mesma forma sequencial, passo a passo, etapa por etapa, possibilitando a todos os educadores uma compreensão, análise e reflexão da importância das artes nas escolas, ou melhor, na vida destes jovens e na vida de todos nós. 
      Começarei com as atividades do primeiro bimestre, que apelido de desbloqueio, onde preparamos o espaço de autoria, um espaço onde o respeito ao outro tem que ser obrigatório para dar segurança e incentivo à expressão e criação do aluno. Após esta fase, começamos a experimentar as diversas linguagens artísticas (plástica, sonora e cênica) sempre colocando a arte como um meio de facilitar a expressão, comunicação e criatividade. Ao final do ano, estes jovens já conseguem subir ao palco encenando/improvisando uma peça/história escrita por eles. É, neste momento, que recebo o mais valioso "salário": vê-los envolvidos, entusiasmados, com  alegria, descontração  e sem medo de pagar o tão temido "mico", combinando, ensaiando e mostrando seus talentos.  Ao final, apresentam seus trabalhos para uma plateia formada por alunos das séries seguintes que já passaram por este processo e que sempre aguardam, com muita expectativa, a semana de teatros da escola. Após a conclusão destes trabalhos finais, realizo uma avaliação do curso, da professora e das atividades propostas. Com estes dados, vou adaptando e melhorando as estratégias para os próximos anos e, desta forma. posso concluir, sem sombra de dúvida, que o ensino de arte abordado nesta escola (CEFET) colabora significativamente na formação pessoal e profissional destes jovens. Nos próximos posts, vocês encontrarão textos, relatos de experiências, depoimentos e imagens deste trabalho, bem como outros materiais e indicações/sugestões para  todos aqueles que queiram se aprofundar neste mundo maravilhoso, de infinitas possibilidades, que é o da Educação pela Arte. 

*Entrevista com os alunos do Cefet sobre o ensino de artes das escolas anteriores ao Cefet, disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=NDzkFPsBwEg

Para aprofundar mais sobre a realidade do ensino da arte no Brasil, leia o artigo de Ana Mae Barbosa em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141989000300010&script=sci_arttext

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